A barata

A barata rodeia o dia todo, tonta que só ela.

Vira a esquina daquela rua movimentada, atravessa sem olhar os carros, não confia em semáforo nenhum. 

Entra nos comércios sem falar com a atendente, sem querer provar roupa, sem pedir opinião, sem gastar um mísero centavinho.

Pega ônibus sem pagar passagem e salta dele quando bem entender, onde quiser, sem compromisso com horário.

A única coisa que faz é ficar pra lá e pra cá com todas aquelas anteninhas peludas, à toa, querendo sintonizar em alguma coisa.

A barata é pegajosa. Tipo um defeito que veio de fábrica - ou um desvio de caráter, não sei - que a gente tenta esconder mas não consegue nem com muita reza, porque ele vai estar sempre ali pra quem quiser ver.

A barata é perigosa. É como aquela aposta individual - ou uma promessa de fim de ano - que a gente faz quando tá meio bêbado aos 20 anos e chega aos quase 30 sem ter conseguido cumprir, já sabendo que talvez nem vá cumprir tão cedo.

A barata é pavorosa. Não tem muita explicação pra isso, eu acho. Mas deve ser o retrato de quem se vê no espelho e se acha feio de doer. 

Pensando bem, até que a barata não é tão tonta assim. Ela é só um inseto, afinal. Talvez até saiba a função dela aqui neste mundo. E cumpre direitinho o seu papel.

E nós, o que é que sabemos da vida?

Tontos somos nós, isso sim.

Pelo amor de Deus.

Deixa a barata em paz.

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