Por algum motivo
Há algum tempo, ele vinha adquirindo
costumes. E estes costumes, com todo o respeito e com o perdão do trocadilho, não pareciam ser dignos de
respeito. Ou será que andar por aí colando cartazes de “procura-se” com a própria
foto estampada pode ser algo realmente respeitável?
Isso tudo
começou quando ele decidiu sair de casa. Um belo dia, começou a empacotar tudo
que era seu. Sem mais nem menos, entendeu que era hora de seguir seu rumo em
outra freguesia. “Preciso ver o que existe do lado de fora da minha maçaneta,
pois estão me chamando”, disse ele para sua mãe. A coitada chorou por uma
quarentena. Chorou ainda mais por notar que ele não havia deixado nem mesmo o
endereço novo para ela, tampouco sabia quem havia feito ele agir de forma tão
definitiva.
Durante um curto espaço de tempo,
ele passou a mostrar um lado da face que nunca havia mostrado antes. E foi até muito
longe em sua investida: cortou laços familiares, amizades que cultivava desde
sua infância e amores que carregava sem atribuir rótulos. Seu cachorro, que até
então era seu fiel escudeiro, foi abandonado na orla de uma praia qualquer,
certa vez que decidiu caminhar sem rumo. Pouco a pouco, ele perdeu contato com todos.
Seus únicos companheiros eram os
seus próprios fantasmas. Estes, com orgulho, ele levava por todos os cantos. Por
trás daquela invisibilidade toda, estranhamente os fantasmas faziam com que ele
fosse feliz. E o mais curioso: tomavam as decisões por ele.
Todos os dias, pontualmente às 17h, ele ia até uma cafeteria
que gostava e pedia sempre a mesma fatia de bolo de laranja e o mesmo latte
reforçado. Falava sozinho. Ria. Às vezes, ficava sério. Trocava palavras com o
vento e obtinha respostas que gostava de ouvir.
Foi assim por quase um ano. Nas primeiras vezes, as pessoas o tratavam como um louco. Tinham medo. Depois, com o passar do tempo, acostumaram. “Vai que ele é médium? Vai que ele se comunica com outras dimensões? Sei lá, né? Deixa pra lá que é melhor”, pensava o dono da cafeteria.
Foi assim por quase um ano. Nas primeiras vezes, as pessoas o tratavam como um louco. Tinham medo. Depois, com o passar do tempo, acostumaram. “Vai que ele é médium? Vai que ele se comunica com outras dimensões? Sei lá, né? Deixa pra lá que é melhor”, pensava o dono da cafeteria.
Certo dia, ele acordou
completamente enfurecido. Saiu pelas ruas socando o ar, xingando e chamando a
atenção de quem passava. Até que, lá de longe, avistou ela. Na mesma hora,
segurou um palavrão que provavelmente sairia de sua boca sem pestanejar. Seu coração palpitava numa velocidade incrível.
Ela foi até ele e o acalmou, como
nunca ninguém havia conseguido antes. E ele gostou daquilo, como quem adquire
um vício e só pensa em saciá-lo de uma vez por todas para que o corpo reaja
pedindo mais daquilo.
O tempo passou e ela ficou com
ele. Mais que isso, foi conseguindo afastar os fantasmas que o assombravam.
Colocou novas coisas no lugar deles. Fez com que ele voltasse a compreender a
vida e tudo o que ela podia oferecer.
Ele comprou um novo cachorro, o qual
chamou de “Nós”. Passou a ligar para quem havia cortado relações. Muitos
voltaram a falar com ele, mas isso não deixou de fazer com que ele também recebesse
algumas respostas não muito agradáveis. Não desistiu. Foi até sua mãe, pediu
desculpas e disse que gostaria de retomar o que havia abandonado. Desta vez,
sua mãe chorou mais que uma quarentena, agora de profunda felicidade.
As idas ao café continuaram acontecendo, mas agora com ela. O bolo de laranja e o latte passaram a ter muito mais sabor. Ele sabia o motivo disso e podia sentir cada vez mais.
Nunca se soube exatamente quantos
fantasmas foram morrendo na vida dele, mas bastou apenas ela chegar para que
tudo voltasse a ser como era.
Ou como nunca deveria deixar de ser.
Ou como nunca deveria deixar de ser.
Ou como deveria ser a partir daquele momento :)
ResponderExcluirLindo texto, fez pensar como as coisas ganham mais cor depois que chega a pessoa certa para colorir com a gente.
Beijos rimados pra você :*