Quem fala é o doutor

Estou olhando a mesma fatia de pão há três horas. 

Contei quantas moscas já rondaram e pousaram na superfície do miolo: foram treze. 

Com olhar de repulsa, decido levantar e buscar um copo de suco de pêssego. É meu sabor preferido, mesmo industrializado. 

Preciso correr, daqui a pouco é hora de arrumar as coisas e passar mais um dia inteirinho fora de casa.

Todo aquele tempo que precisava dedicar a mim foi pro ralo. 

Seria culpa do pão fatiado na mesa ou das moscas? 

Ou seria minha culpa, mais uma pra colocar na conta?

Dou uma olhada rápida no relógio: estou cinco minutos atrasado. 

Subo as escadas, apanho minha mochila e meu celular que só carregou metade da bateria, escovo os dentes com pressa e vejo sangrar minha gengiva, desço as escadas e, no meio do caminho, ouço minha mãe gritar. 

Deixo que ela grite, pois não entendo nada. Não tenho tempo para mais nada.

Tchau, tchau, tchauzão.

No caminho para o trabalho, parece automático crescer a vontade de voltar para casa e abandonar tudo. 

Não dá. Foi uma escolha que fiz, como poderia ignorar tudo agora? Definitivamente, não consigo.

Chego no trabalho, só vejo pressão. Nada pra aliviar, nada mesmo. 

Procuro minha carteira de cigarros na mochila, mas lembro que decidi parar com essa merda há alguns dias. 

Meu sentimento é misto agora: triste por não ter cigarros, feliz por largá-los. Vai entender isso aí, bicho.

Os minutos se arrastam até a hora do almoço. Quando vou mastigar o filé que coloquei no prato, me dá nojo. Que vontade de arremessar o prato cheio de comida bem longe. 

Não jogo, mas fico pensando o tempo inteiro em como seria demais ver toda aquela comida espalhada pelo restaurante.

A hora do almoço termina e eu pareço voltar ao som de uma marcha fúnebre. 

Começa a reza: "Que as horas não se prolonguem tanto quanto minha angústia, amém." 

Assim eu pedi, mas assim não aconteceu. Até o fim do expediente, pressão em cima de pressão.

Eu devo estar louco. Não sei o que está havendo comigo. 

Os dias passam e descompassam. 

Algumas dívidas morais me afogando e a consciência não diz uma palavra sequer. 

Por que eu tenho que acabar com tudo que minhas mãos tocam?

Proponho um tempo pra cabeça. Um basta mesmo, sabe?

Tô num temporal sem guarda-chuva, me afastando e me isolando ainda mais. 

Carregando um peso de vários dias, de várias escolhas erradas. 

Alvo de críticas, sem acreditar em nada e muito menos em mim.

"O meu caso é o tempo passar. Quem fala é o doutor!"

Comentários

  1. óin... fica assim não! ouça mais los hermanos, eu fico feliz quando ouço as músicas deles. você não? se sim, faça isso.. é bom. :}
    bjocas.

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  2. Acredita em si mesmo? Então não precisa ouvir ninguém no momento. Não que não seja importante a opinião alheia, mas quando as escolhas que fizemos parecem pesar em nossas costas e quando gritamos por mudanças, olhar para nós mesmos é buscar resposta em um lango em que elas existem em abundância.
    Boa sorte nas escolhas

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  3. se tentar fazer cada momento feliz por mas que ele não seja agradável, talvez não ficasse assim.

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  4. Nem sei oque dizer o mesmo acontece comigo fazer coisas sem querer fazer,sem tempo pra sí mesmo é horrivel,mas sua mente força vc a isso vc sabe que tem que fazer mais seu corpo não...
    Bom o jeito e aquentar,até tudo voltar a superficie!!!!!!!
    Quando ouver tempo pra vc faça oque quer e seja intenso isso funciona comigo.

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  5. Não se deixe abater por conta de um dia difícil e mesmo que pareça que o temporal não ira passar, não se entregue a ele... Lute e faça de tudo para fazer dos piores temporais os mais alegres que puder, mas sem ser falso... E nunca mergulhe nas angustia, pois elas são traiçoeiras e só vão te fazer se sentir pior... Procure coisas que te fazem bem e que te façam sorrir, mas não um sorriso qualquer, mas sim um sorriso sincero, aquele sorriso que faz teus olhos brilharem como estrelas, um sorriso que te traz paz ao coração, um sorriso puro e inocente... Seja feliz sempre que possível!... Só você pode ir em busca de momentos sorridentes!... =D

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Teus textos se refinaram bastante. Crônicas sempre foram as minhas leituras preferidas. E rotina nunca foi seu forte, muito menos frustrasção. Resignar-se não me parece uma boa saída. Sucesso.

    "Adeus você, eu hoje vou pro lado de lá, eu tô levando tudo de mim..." (Los Hermanos - Adeus você)

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  8. parece que uma forca oculta me fez ler o se post hj. ando do mesmo jeito.. angustiada por ter feito certas escolhas na minha vida, sem saber se foram as melhores.. obrigada a viver uma vida que desprezo, por escolha de terceiros, me perguntando se um dia tudo isso vai acabar... esperando o tempo passar.. pra ver se assim eu melhoro... e poder finalmente deitar e dizer.. estou feliz.

    o seu tempo jah passou?? jah tah conseguindo acreditar nos outros e nao somente em vc? pra mim ainda tah dificil...

    sera que vc vai responder????? hahaha
    bjos

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  9. Sinto-me da mesma maneira.
    Minha rotina está me sufocando. Às vezes sinto vontade de desistir de tudo, jogar tudo para o alto. A única saída que tenho encontrado é suportar.

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