Foi embora meu avô


É, vovô. O senhor fará muita falta por aqui, mas foi melhor assim. Já não vivia mais com a mesma galhardia, sempre com olhos pesados e tristes, balbuciando palavras. Foi melhor assim e eu tenho tentado me conformar.

De ti, eu me recordo apenas de coisas boas. Das vezes que nós viajávamos para Camboriú e eu gostava de andar de mãos dadas contigo e com a vovó no calçadão; eu não demorava e já queria pedir churros, sorvete, milho-verde, qualquer coisa. Vocês nunca me negaram nada. 

E o senhor não gostava de altura, tinha medo. Aquela vez nós fomos andar de teleférico e não é que, bem no dia que fomos, uma chuva forte fez o teleférico parar lá em cima? Era um misto de 'vamos morrer' com 'o vô tá bem?' no rosto de todos nós, mas tudo ficou bem depois.

E os churrascos que o senhor fazia pra gente? Coisa caprichada, da melhor qualidade. Como era bom. Cá entre nós: o senhor gostava de uma festa, né, seu Oscar? Lembro lá na chácara da antiga Telepar, eu era pequeno e gostava de fingir que era goleiro. O senhor batia pênalti e eu segurava e gritava "Flááávio", porque o Flávio - Pantera Negra - era o goleiro do Atlético na época. 

Falando em Atlético, não precisou nem dizer quem me ensinou a torcer tão bem. Apesar de o senhor não ser muito fã de frequentar estádios, eu sempre ia - e ainda vou - e o senhor alertava a mim: "Não me volte com derrota, hein?". Quando o Atlético era derrotado, eu não sabia com que cara te olhar, até que alguém quebrava o gelo e eu via seu sorriso doce invadindo a sala.

Lembro das viagens que fazíamos, mas lembro em especial de uma que fizemos até Foz do Iguaçu. Ficamos conversando durante horas a fio: eu, meu pai e o senhor. Foi nessa viagem que eu notei que quando chegava a hora do jantar, o senhor gostava de ouvir um bolero bem baixinho ao lado da vó. Coisa mais linda de se ver.

Lá em Termas de Jurema, o senhor já não estava tão bem e ainda encontrava forças para sorrir, para nadar conosco na piscina e para caminhar pela noite. Nem comentei ainda das inúmeras vezes em que o senhor nos levava para almoçar em algum restaurante chique. Bom gosto sempre foi sua marca registrada, era seu prazer mostrar coisas boas pra nós.

E aquela festa quando vocês completaram Bodas de Ouro? Que baita festa. E o senhor dançava como um verdadeiro lorde, ostentando o que tinha de mais valioso pela pista de dança: a vovó.

Também lembro das piores fases, quando o senhor passou a não mais nos responder por conta dos AVCs que afetaram sua fala. Mesmo assim, eu ia lá e conversava contigo, só pra ver teu olhar com ternura, sem querer resposta nenhuma porque aquilo já me valia o mundo. Entrava no quarto, via o senhor deitado e me dava um aperto tremendo no peito, mas era bom ver que o senhor resistia e me olhava fundo. Eu contia as lágrimas, por não saber qual reação viria de ti.

Olha, confesso que chorei muito ao vê-lo sofrer tanto. O senhor foi nosso heróis. Valente até o último momento. Enfrentou por quase uma década o Parkinson, depois veio o Alzheimer, as suspeitas de pneumonia, as febres altas, as internações e, por fim, a meningite. Quanta dor, barbaridade!

É, meu avô. Dizem que a vida é assim. É o ciclo, não é verdade? Não podemos mais falar contigo, mas sabemos que Deus pode. E também sabemos que o senhor deixou um sorriso de gratidão ao ir embora, o mesmo sorriso que nos receberá ao nos receber no Paraíso.

Agora o senhor descansa, merecidamente, ao lado de Deus. Sentirei saudades de seu olhar terno de avô, de seu sorriso amável, de seu jeito bonachão e querido, de sua voz, de seus ensinamentos, de seu carinho, de sua presença aqui.

Olha por nós, meu vovô. Olha pela vó, que tanto cuidou de ti por aqui, olha pelos teus filhos amados, olha pelos teus netinhos e bisnetos que tanto se espelham em suas atitudes e olha por esse mundo tão desgraçado e cheio de pesar que vivemos. Não será fácil viver de agora em diante, sempre com esse vazio que é a sua falta, mas aprendemos com a sua luta pela vida.

Obrigado por tudo, meu avô. Eu te amo muito. E, se muito não é tão muito assim, eu te amo muito além.

[Luto - Oscar de Sá Sottomaior, 81 anos - 29/05/1928 - 06/09/2009]

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Meus sentimentos, achei muito lindo esse desabafo e essa ultima conversa que você fez para o seu avô, realmente é sempre triste perdermos pessoas que gostamos muito,mais como voce disse a gente se conforta em saber que estão em lugares melhores, e que estão olhando por nós.Eu realmente me emocionei com esse seu desabafo. :)

    / Isadora

    ResponderExcluir
  3. tambem chorei ao leer, sei como é perder alguem tao importante assim porque tambem já perdi meu avozinho (a 2 anos), realmente, pensar que ele está num lugar melhor agora reconforta...e muito, meus sentimentos )):

    talita

    ResponderExcluir
  4. perdi meu avô quando tinha 8 anos, no ano em que ele e minha vó iriam comemorar 50 anos de casado. é sempre triste perder alguém que gostamos tanto...

    ResponderExcluir
  5. own qu lindo post!!! Meus pesâmes...Deve ser muito muito doloroso mesmo perder alguém tão especial...=(

    ResponderExcluir
  6. Meus sentimentos. Tenho meus dois avôs ainda, mas não tive chance de conhecer a minha avó (de quem falam tão bem. Nos deixou em seus tempos de glória). A outra, infelizmente, não lembra nem meu nome.
    Minto ao dizer que não chorei. É, sou uma manteiga derretida.
    Onde quer que seu avô esteja, assim que ficar sabendo desse amor muito além traduzido em palavras tão belas, vai sorrir.

    ResponderExcluir
  7. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  8. Nossa, muito lindo o seu texto... Lindas palavras... Tenho também um avô que sofre do mal de Alzheimer e sei que é muito difícil conviver com alguém tão querido nessas condições em que a doença deixa a pessoa. Enfim, o seu blog inteiro está repleto de tópicos e assuntos interessantes e além do mais muito bem escritos. Parabéns. um beijo, Erika.

    ResponderExcluir
  9. Meus sinceros sentimentos... Perdi minha avó a alguns anos, e ela pelejou muito para conseguir sobreviver, até aonde resistiu já não sabia nem o próprio nome... a dor da perda é intensa, mas o alívio em saber que ela se refugiara num lugar bem melhor é o que conforta ! Forças pra você e sua família ^^

    Beijos da fã ! rs

    http://malutolentino.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  10. Adoro ler o seu blog, ele me faz chorar quase todas as vezes! Meus sinceros sentimentos, mas é o cilco da vida e nós temos que pensar que eles estão lá no céu, de mãos dadas com Deus, tranquiliza! beijo, de uma fã apaixonada por suas linhas

    ResponderExcluir
  11. Aaaah CHOREEEI .

    Eiitah sei muito bem como é perder alguem que agente ama muitoo,meu avô morreu, um dia depois de faz uma operação e eu fui uma das unicas a visita - lo ele nem conversava direito =/
    maais lembre de todas as coisas boas que voce passo junto com eele , TENHU CERTEZA QUE VOCE VAI SE SENTIR BEM MELHORR .

    Meeu sinceros sentimentoos.



    Beeijos ;*

    ResponderExcluir
  12. Eu sei como é perder o avô, e principalmente quando agente sabe que ele estava sofrendo e que foi melhor assim. Com o tempo, agente lembra só das coisas boas que passou com ele, e quando sentir falta dele, sorria, ele vai estar sorrindo pra você também.

    Meus sentimentos

    ResponderExcluir
  13. A SUA HISTÓRIA COMO TODAS AS OUTRAS, PRECISA TER UM PRINCÍPIO, MEIO E NÃO MENOS IMPORTANTE, O FIM!

    ResponderExcluir
  14. E antes de mais nada, antes de qualquer coisa: eu sempre estive aqui e sempre estarei. Há três anos estou e daqui pra frente.
    Seu avô está seguro agora e sorrindo por ti, então, sorria pra ele.

    Nunca te abandonei e nunca vou te abadonar. Não é de hoje que eu te amo, não é de hoje que eu não te largo mais.

    Eu te amo muito.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Faça a festa.

Postagens mais visitadas